Reflexões sobre aprendizagem e ensino de física a partir da realidade do Rio
de Janeiro1
Frederico Alan de Oliveira Cruz
Paulo Simeão Carvalho
Resumo: A aprendizagem dos alunos presentes nas escolas brasileiras tem se mostrado insuficiente face aos
resultados das avaliações nacionais e internacionais, para os diferentes níveis de instrução. Assim, neste
trabalhou buscou-se encontrar e compreender as razões para o atual cenário e buscar respostas que possam
ajudar a conseguir soluções para o problema. São mostrados como os fatores econômicos e sociais, ligados
ao aluno, às questões de infraestrutura na sociedade brasileira e às metodologias de ensino, por parte dos
professores, atuam de forma negativa no desempenho escolar. Como tal, apresentamos reflexões sobre a
necessidade de mudança nas práticas educativas no ensino das ciências e da Física em particular, bem
como no processo de formação dos profissionais de educação, permitindo a eles compreender o cenário
educativo onde está inserido.
Palavras-chave: Ensino de ciências. Formação. Metodologias.
Reflections on learning and teaching physics from the reality of Rio de Janeiro
Abstract: The learning of thousands of students attending brazilian schools, has proved to be insufficient because of
the results of the various national and international assessments for different levels of education. In this
work we tried to find and understand the reasons for the current scenario and seek for answers that can help
to find solutions to this problem. It is shown how economic and social factors related to the student, issues
concerning the infrastructure in Brazilian society and the teaching methodologies on the part of the
teachers, act in a negative way in the student’s performance. So, we present reflections about the need to
change the educational practices in the teaching of science and physics in particular, as well as in the
process of teacher training, allowing them to understand the educational scenario where they are inserted.
Keywords: Teaching science. Training. Methodologies.
1 Os autores agradecem ao Ministério da Educação do Brasil pela oportunidade de realizar este trabalho. O trabalho
foi financiado pela Fundação para uma Ciência e Tecnologia, Projeto UID / NAN / 50024/2013.
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1 Introdução
Apesar dos avanços no acesso às escolas públicas brasileiras e do aumento de número de
vagas disponíveis, nas diferentes modalidades de ensino existentes, há um consenso que a
educação fornecida por essas instituições é, em algumas situações, de pouca qualidade e/ou
descontextualizada da realidade onde os alunos estão inseridos (ALGEBAILE, 2004; RAUTH,
2015).
Percebem-se problemas desde a apresentação e avaliação dos conteúdos fornecidos aos
alunos, em que se detectam: aulas descontextualizadas, utilização de livros didáticos de forma
quase bíblica e que são colocados como norteadores dos temas a serem abordados em
determinada série, programas curriculares que não acompanham as novas tecnologias e/ou as
mudanças ocorridas em todo o mundo, inexistência da formulação de processos avaliativos que
produzam parâmetros para uma intervenção que potencie a aprendizagem, e até a falta de
informação sobre a realidade cognitiva dos alunos (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003;
PINA, 2009).
Além dos problemas envolvidos diretamente na atividade docente, existem outros fatores
que impactam o processo de ensino-aprendizagem, podem ser citados: falta de infraestrutura na
maioria das escolas, a violência contra professores e alunos, os baixos salários dos profissionais
de educação e também a distância da escola aos locais onde os alunos residem (LOURENCETTI,
2014; MONTEIRO; SILVA, 2015). Todos os fatores somados têm produzido na educação
brasileira, principalmente nos últimos anos, um quadro de insucesso que dificilmente será
reduzido sem mudanças significativas nos diversos pontos citados anteriormente.
Os atuais índices educacionais, produzidos por agências nacionais e internacionais,
mostram que o atual processo de escolarização dos jovens brasileiros não reúne a qualidade
necessária para que o país avance em termos tecnológicos e sociais nos próximos anos, sendo
fundamental ações que visem a uma melhora significativa na estrutura de formação. Isso fica
claro quando avaliamos os números relativos ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) em 2007 para ser indicador da qualidade educacional brasileira. Estas informações,
obtidas por meio de exames padronizados para alunos do 5º e 9º ano do ensino fundamental, bem
como a alunos do 3º ano do ensino médio, revelam um quadro assustador (INEP, 2007). Numa
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escala de zero a dez, dentre os 26 estados brasileiros e o distrito federal, apenas os estados de
Santa Catarina e São Paulo apresentaram pontuação média igual ou superior a cinco para as
turmas do 9º ano do ensino fundamental, na mais recente avaliação.
Se particularizarmos o nosso estudo para o estado do Rio de Janeiro, que detém o segundo
maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em torno de 460 bilhões de reais no ano de 2016,
percebemos que o aporte financeiro disponível não foi suficiente para produzir avanços
educacionais relevantes; isto pode ser comprovado pela décima terceira posição entre os entes da
federação, com nota igual a 4,4, e com desempenho abaixo da média nacional, que é de 4,5 na
avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (INEP, 2015a; IBGE,
2016).
Mantendo a análise sobre o referido estado, os resultados do Exame Nacional do Ensino
Médio, criado em 1998 e que desde 2009 é utilizado pelos alunos para ascender às muitas
Instituições de Ensino Superior (IES) do país, são preocupantes. Nas avaliações que testam
conhecimentos de linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e redação, que
possuem pontuação entre 0 (zero) e 1000 (mil), foi constatado que a metade dos alunos avaliados,
oriundos das escolas públicas e privadas de ensino médio localizadas no Estado do Rio de
Janeiro, não conseguiram obter nota superior a 600 pontos em qualquer dos itens que compõem a
avaliação no ano de 2015 (INEP, 2015b).
Nessa avaliação, os piores desempenhos ocorreram nos conhecimentos ligados aos temas
de matemática e ciências da natureza, nos quais a pontuação média gira em torno de 50% dos
pontos possíveis, no qual se incluem, nesse último, questões sobre conhecimentos em Física. Os
resultados apresentados pelos alunos durante as avaliações demonstram uma grande fragilidade
no conhecimento científico, que possivelmente terá impacto direto no desempenho a obter na
formação em nível superior. Além disso, esses mesmos alunos evidenciam um desempenho que
permite supor a existência de problemas na forma culta da língua portuguesa. Assim, mesmo com
uma pequena generalização, p possível concordar que (BELUCE et al., 2011, p. 8): “[...] o nível
de compreensão leitora dos estudantes universitários está aquém do esperado para obtenção e
elaboração de conhecimentos necessários no ensino superior”.
Coincidentemente com a afirmação anterior, os cursos de disciplinas introdutórias de
cálculo diferencial e integral, nos quais são abordados conceitos importantes para a continuidade
nos cursos ligados a ciências exatas, como Meteorologia, Astronomia, Geologia e Engenharia em
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geral, apresentam índices de reprovação acima de
50%
(RAFAEL; ESCHER,
2015).
Corroborando a seguinte situação já apresentada em uma realidade:
“Os alunos que têm
ingressado ao curso de física vêm com uma deficiência enorme de conteúdo matemático e de
leitura e interpretação de texto. Isto acarreta ao aluno dificuldade de acompanhamento das
disciplinas, o que, inevitavelmente, gera retenção nas diversas spries” (RISSI; MARCONDES,
2009, p. 44).
Essas reprovações, aliadas a outros fatores, são causas, muitas das vezes, das enormes
evasões nos cursos de formação superior nas áreas onde são necessários os conhecimentos
básicos sobre ciências, matemática e linguagem, esse último com implicação na interpretação
correta das questões presentes nas avaliações.
No entanto, o mau desempenho nas avaliações sobre ciências e matemática não ocorre
apenas ao nível nacional e tem se repetido ao longo dos anos, nas avaliações promovidas pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ocorrem a cada três
anos e conhecidas como Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Nas provas
realizadas em 2014, os alunos brasileiros tiveram um percentual de acertos nas questões de
ciências de aproximadamente 30%. Na maioria dos estados e no caso específico do estado do Rio
de Janeiro, o percentual de acertos foi inferior a esse valor (gráfico 1). Mesmo nas questões com
pequena complexidade de resolução, identificadas como aquelas de demanda cognitiva baixa, os
acertos dos alunos brasileiros não foram superiores a 45% (OCDE, 2016).
Gráfico 1 - Percentual de respostas corretas dos jovens brasileiros, por unidade
da Federação, para os conteúdos de ciências do PISA.
Fonte: OCDE. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Brasil no PISA 2015:
análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros. São Paulo: Fundação
Santillana, 2016. p. 52.
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É fato que muito do baixo desempenho, retratado pelos índices mostrados, tem relação
direta com as condições sócio econômicas no qual os alunos estão inseridos. No entanto, refletir
sobre esses pontos é fundamental para que seja possível qualificar a discussão sobre como
possibilitar uma melhora na aprendizagem e com isso no desempenho desses alunos.
2 A influência dos fatores econômicos e sociais sobre a aprendizagem
Para compreender todos os fatores que podem influir no desempenho dos alunos nas
avaliações e no seu desenvolvimento cognitivo, a condição econômica das famílias dos alunos
sempre é um elemento considerado como fundamental, ou como ponto de partida na análise do
tema. Sabe-se que crianças e jovens oriundos de famílias em condições financeiras mais precárias
apresentam, em média, pior desempenho nos exames do que aquelas em melhores situações
financeiras e que um aumento considerável nos salários resulta significativamente num maior
desempenho global dos alunos (CRUZ, 2012).
A dificuldade na aprendizagem dos conceitos de ciências, como dos demais conteúdos do
currículo escolar, tem como um dos fatores basilares o atraso social das regiões onde muitas das
famílias estão localizadas e que coloca diversos jovens em alto grau de vulnerabilidade.
Elementos como a equiparação entre o Produto Interno Bruto (PIB) e o Poder Aquisitivo (PA), as
médias dos anos de escolarização dos constituintes do núcleo familiar e a relação com a
longevidade das pessoas, elementos que constituem o chamado Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), apesar de serem importantes para a caracterização das populações podem não dar
a informação necessária sobre muitos aspectos ligados ao bem estar social dos indivíduos.
Para ter um retrato fiel da realidade dos alunos que estão inseridos dentro de cidades com
construção heterogênea, é importante que sejam levados em conta elementos de bem estar como
o acesso ao saneamento básico e a qualidade habitacional. Assim, avaliar apenas o IDH pode
fornecer uma visão incompleta, pelo que uma possibilidade é considerar o chamado Índice de
Desenvolvimento Social (IDS), que atribui pesos diferentes a certos parâmetros contidos no IDH
e insere elementos como os outros dois citados anteriormente (IBGE, 2000; CAVALLIERI;
LOPES, 2008).
Ainda que o Rio de Janeiro seja reconhecidamente uma das cidades com maior nível de
riqueza do país, é fácil perceber diversos problemas estruturais ainda presentes. Apesar de nos
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últimos anos ter ocorrido avanço no IDH em praticamente todos os bairros da cidade, em virtude
do volume financeiro fomentado por uma série de eventos promovidos, como Olimpíadas e Copa
do Mundo, as melhorias sociais fundamentais não evoluíram e até diminuíram em algumas
regiões.
Num elemento comparativo entre o IDH e o IDS dos bairros existentes na cidade, é
facilmente perceptível que o último índice é menor que o primeiro em torno de
25%
(CAVALLIERI; LOPES, 2008, RIO DE JANEIRO, 2009) (gráfico 2), isto é, apesar de em
muitos casos existir desenvolvimento educacional e financeiro de muitas famílias, outros
elementos que favorecem uma qualidade de vida minimamente razoável ainda são insuficientes
(RIO DE JANEIRO, 2009).
Gráfico 2 - Relação entre o IDH e o IDS medidos para
os bairros do município do Rio de Janeiro
Fonte: CAVALLIERI, Fernando; LOPES, Gustavo Peres. Índice de Desenvolvimento
Social - IDS: comparando as realidades microurbanas da cidade do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, 2008.
RIO DE JANEIRO. CMRJ - Câmara Municipal do Rio de Janeiro. ANEXO III.
saudepd/Anexo3_IDH.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2018.
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Talvez isso passe despercebido nas avaliações sobre o desempenho dos alunos, mas sabe-
se que condições insalubres podem implicar doenças, baixa qualidade de nutrientes e afetar o
desenvolvimento cognitivo dos jovens, com reflexos imediatos no baixo desenvolvimento
educacional dos estudantes, mesmo que estes tenham possibilidades financeiras consideradas
razoáveis. O impacto dessa realidade é tão grande que tomando, por exemplo, a melhoria dos
serviços de fornecimento de água e coleta de lixo, os estudos indicam que os desempenhos
escolares são aumentados e a distorção série-idade, que ocorre quando o aluno possui mais de
dois anos de atraso escolar, é reduzida (SCRIPTORE; AZZONI; MENEZES FILHO, 2015).
Outro problema que se relaciona com as questões sociais é a falta de condições
habitacionais em várias escolas, que em muitas situações não envolve diretamente as ferramentas
educacionais disponíveis pelos professores para a realização da sua atividade letiva. Devido ao
clima da cidade do Rio de Janeiro, com temperaturas médias durante os períodos matutinos e
vespertinos acima dos 30º C, durante boa parte do tempo de aulas, é fundamental que haja acesso
à água potável. No entanto, em muitos casos, a água disponível para as escolas brasileiras em
muitas cidades é de baixa qualidade e imprópria para o consumo humano. Isso impacta de forma
significativa a atividade de todos os profissionais ligados aos estabelecimentos de ensino e
principalmente no aproveitamento escolar dos alunos (LEWIS, 2009, p. 2): “As crianças que não
bebem (água) regularmente na escola têm níveis de concentração mais baixos que afetam a sua
capacidade de participar nas lições, e finalmente nos níveis de aprendizagem e de êxito”.
Se condições de fornecimento de água e saneamento básico têm impacto negativo no
contexto educacional, temos ainda que considerar a consequência da violência urbana sobre a
vida escolar de milhares de jovens. É comprovado que existe um pior desempenho educacional
em locais onde a violência é maior, visto que (MONTEIRO; ARRUDA, 2011, p. 9): “[...] a
elevação da criminalidade no município onde a escola se localiza aumenta a probabilidade desta
obter maiores indicadores de evasão escolar [...]”.
Sendo assim, numa cidade como o Rio de Janeiro, onde foi constatada uma taxa de
homicídios da ordem de quase trinta mortes por cem mil habitantes no ano de
2016, a
possibilidade de baixo desempenho e consequente evasão escolar é uma realidade que não pode
ser ignorada. A onda de violência estabelecida nas ruas acaba sendo trazida para dentro dos
muros da escola, onde começa a valer o medo e uma visão da lei do mais forte, que se reflete
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nesse espaço em atos como: depredação das instalações, violência física, bullying, racismo e
xenofobia, bem como a ostentação de símbolos ligados a grupos criminosos.
O impacto da violência, fora e dentro das escolas, pode ser percebido nas avaliações sobre
o desempenho escolar, onde aproximadamente 45% dos alunos das instituições de ensino
localizadas nas capitais brasileiras não conseguem se concentrar nos estudos e mais de um terço
deles perderam a vontade de ir à escola (AMBROMAVAY; RUA, 2002). É perceptível, pelos
resultados em alguns estudos, que existe uma relação direta entre a violência e o desempenho
cognitivo dos alunos em situação de risco (GROGGER, 1997; AIZER, 2008). Mesmo que a
queda de desempenho seja pequena, em algumas realidades, é fato que a violência, de diferentes
formas, e da criminalidade existente são fatores de diminuição do desempenho escolar
(CARROLL, 2006).
Assim, a evasão escolar será apenas o retrato final da queda de desempenho dos alunos
devido à violência, dentro e fora da escola, acrescentando números aos já quase 6% de alunos que
abandonam a escola devido à violência, produzindo assim uma geração que ficará à margem da
sociedade pela falta de formação adequada para seu progresso social (GROGGER, 1997; HURT
et al., 2001; ABRAMOVAY; RUA, 2002).
Outro ponto que deve ser levado em conta, além dos já mencionados, é o efeito provocado
no desempenho dos alunos associado à acessibilidade à escola, isto é, com disponibilidade de
meios de transporte que sejam eficientes para conduzir os alunos até o local onde será realizada
sua formação. O que se percebe é que longas distâncias e/ou o excessivo tempo perdido no trajeto
residência-escola faz com que os muitos alunos cheguem atrasados às aulas e com muitas horas
de jejum, prejudicando a atenção e o interesse pelo que está sendo abordado (MHILIWA, 2015).
Em cidades como o Rio de Janeiro, com sérios problemas de mobilidade, é possível que o
desempenho dos alunos seja prejudicado por falta de acesso rápido à escola ou pela baixa
qualidade do transporte disponível, fatores que agravam o tempo de exposição a assaltos e à
violência da cidade.
Diante de tantos problemas a que os alunos estão expostos em seu dia a dia, é
fundamental que o professor compreenda a necessidade de uma mudança na forma de ensino de
conteúdos e nas abordagens educacionais a adotar em sala de aula. Para isso, ele deve ter
consciência que o seu papel é essencial para que ocorra uma mudança no atual sistema educativo
de que ele é parte integrante.
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3 A necessidade de mudança no processo educativo e avaliativo
As informações fornecidas até aqui nos trazem algumas certezas, uma vez que o atual
cenário social não é favorável, pois com um IDH próximo de 0,76 o IDS não ultrapassaria de 0,6
usando uma avaliação grosseira, por meio do gráfico apresentado na Figura 1. Isso mostra que os
métodos utilizados na fase de discussão dos temas nas escolas, habitualmente chamados de
tradicionais, devem ser revistos, posto que estes consideram por princípio que os alunos têm
as condições necessárias para o seu desenvolvimento educacional de forma igualitária, que agora
percebemos não ocorrer.
3.1 Um novo público necessita de novos métodos
O baixo desempenho em todos os formatos de avaliação registrado para as escolas do Rio
de Janeiro está atrelado aos fatores já mencionados anteriormente, indo desde a condição
econômica das famílias até ao desenvolvimento estrutural da cidade, que estão entrelaçados de
forma muito complexa. Muitos desses elementos não estão ao alcance do professor, mas no
entanto o obrigam a buscar técnicas de ensino e aprendizagem que possam minimizar os diversos
problemas existentes no cotidiano desses alunos. Uma dessas técnicas é o envolvimento ativo dos
estudantes em atividades de aprendizagem em grupo na sala de aula, que lhes faça sentir que o
seu contributo é validado pelo professor e pelos colegas, que a sua ideia é discutida pelos pares
independentemente de estar certa ou errada e que pode vislumbrar um uso, mesmo que ténue, do
conhecimento que adquire nas aulas (SWEET; PELTO-SWEET, 2008). Estudos realizados sobre
o impacto da aprendizagem ativa em cursos STEM (Science, Technology, Engineering and
Mathematics) mostram que esta metodologia aumenta o desempenho dos alunos relativamente ao
método de ensino tradicional e expositivo (FREEMAN et al., 2013).
Outro aspeto a ter em consideração é o papel das experiências laboratoriais na
aprendizagem das ciências, em particular no que respeita às ciências experimentais. Estas, em
que se incluem as ciências físicas, têm particularidades relativamente a todas as outras, não
apenas de conteúdo, mas igualmente históricas. Em termos de conteúdo, os conceitos basilares
das ciências físicas são na sua grande maioria do tipo intermédio ou formal (CARVALHO et al.,
2013), que de acordo com Cantu e Herron (1978) os exemplos podem ou não ser compreendidos
pelos alunos, mas os atributos dos conceitos não são facilmente perceptíveis. Tal significa que
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para além da dificuldade natural da compreensão das ideias em ciências, há ainda que contar com
o desenvolvimento cognitivo dos alunos como fator determinante para a sua aprendizagem.
Como os conceitos formais apenas são facilmente compreendidos por alunos no estágio
piagetiano formal, adivinha-se a dificuldade em ensinar e aprender essas ciências por jovens
que ainda não atingiram esse estado de desenvolvimento cognitivo; foi esta a razão que levou
Shayer e Adey (1981) a classificar as ciências físicas como “duras” (hard sciences).
Em termos históricos, a evolução da ciência faz-se atualmente de uma forma bem
diferente da que ocorreu nos seus primórdios. Na Grécia antiga, a ciência era, sobretudo,
naturalista e observacional, importada em registrar os fenômenos e interpretá-los com base numa
linguagem comum e não científica (SERZEDELLO, 2012). Ao introduzir a experimentação e o
controle de variáveis como características do pensamento científico, Galileu
(1564-1642)
inaugurou uma época em que a repetitividade e a sistematização das atividades práticas permite a
todos os cientistas confirmar os resultados obtidos, introduzindo assim uma prática a que se deu o
nome de método experimental. Com base nele, muitos resultados empíricos foram
sistematicamente confirmados e passados a leis físicas, num processo inicialmente indutivista,
mas que hoje evoluiu para uma sequência de processos indutivista e dedutivista (CARVALHO et
al., 2013), resultando num modelo de aquisição de conhecimento que Koponen e Mäntylã (2006)
designam por generativo experimentalista. A importância da experimentação é, portanto,
amplamente aceita pela comunidade científica atual, mas ainda existe a dúvida se os resultados
obtidos na aprendizagem na escola por via experimental são vistos com a devida importância.
Em dois artigos publicados com um intervalo de cerca de 20 anos, Hofstein e Lunetta
(1982; 2004) concluem que os laboratórios influenciam fortemente a motivação dos alunos pelas
ciências físicas, mas apenas produzem um efeito significativo nas aprendizagens quando é
abandonada a repetição ritualística de lista de tarefas a executar, e substituída por abordagens em
que cada tarefa é discutida previamente com os alunos e dado um significado científico que vise
encontrar respostas, pela investigação, a um problema concreto. Esta visão para um ensino
interativo é, também, partilhada por vários autores como Redish (2003), Mazur (1997), Novak et
al.
(1999), Knight (2004) e Sokoloff, Thornton e Laws (1999-2004), que sugerem o uso da
metodologia Inquiry, das simulações computacionais, da aquisição automática de dados, das
tecnologias digitais, da abordagem fenomenológica básica e do questionamento conceptual, como
ferramentas potenciadoras de uma aprendizagem significativa.
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Independentemente de estarmos em pleno século XXI, as práticas educativas das escolas
brasileiras estão ainda pautadas no modelo em que o uso das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) são, na grande maioria dos casos, meros elementos decorativos. Por outro
lado, a existência de recursos digitais (simulações computacionais, vídeos, jogos) não garante,
por si só, a qualidade na aprendizagem - esta está fortemente condicionada pelo método de ensino
proposto para a exploração desses recursos digitais (CARVALHO; CHRISTIAN; BELLONI,
2013) e pela preparação dos professores em implementar esses recursos na sua prática letiva
(QUINTAS; CARVALHO, 2016). Isto, por si só, justifica uma aposta forte na formação inicial e
contínua de professores, como prática essencial na mudança sustentada do ensino nas escolas.
Mesmo que alguns destes aspetos já terem sido discutidos por muitos autores, o que ainda
vemos nos dias de hoje são práticas letivas onde os pontos necessários para a realização de uma
boa discussão física (BYBEE et al., 2008 apud BUABENG, 2015) são pouco ou quase nunca
seguidos, percebendo-se o oposto e que permite reescrever essas afirmações como:
a) falta de planejamento das aulas e ausência de propostas que incluam inovações
didáticas e/ou sequências com real valor educativo na aprendizagem;
b) pouco ou quase nenhum incentivo por parte dos professores para que todos os alunos
participem das discussões sobre os temas da aula, negando assim a possibilidade de um
ensino interativo;
c) falta de propostas com caráter inclusivo, não permitindo que alunos com e sem
necessidades educativas especiais possam trabalhar de forma colaborativa;
d) avaliações ocorridas em tempos determinados e não de forma continuada, o que
incentiva a mecanização de processos
(nomeadamente a resolução acrítica de
exercícios) e a memorização;
e) pouca diversidade nos instrumentos de avaliação, sendo o(s) “teste(s)” usado(s) como
ferramenta (em muitos casos) exclusiva para a classificação dos alunos;
f) falta de recursos e ambiente propício para a aprendizagem científica, nomeadamente ao
nível laboratorial;
g) pouco estímulo dos professores para que os alunos possam buscar um comportamento
científico em relação ao mundo em que vivem, privilegiando
assim
o ensino
matematizado e academicamente compartimentado; e
h) pouco uso do potencial das tecnologias digitais como suporte didático da compreensão
e mensuração dos fenômenos físicos.
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Uma metodologia de ensino que envolva o aluno, porque ele se sente interessado pelos
conteúdos e consegue atribuir um objetivo prático à sua aprendizagem, dá um significado real à
presença do aluno na escola, à leitura de textos, à interpretação de fenômenos e ao interesse pela
ciência em geral. Isto vislumbra um futuro e portanto, retira o aluno das ruas e da violência, ao
mesmo tempo em que lhe proporciona conhecimentos que lhe serão úteis para a procura de
emprego, que por sua vez lhe darão estabilidade econômica, entrando assim numa espiral que o
fará mudar para um estilo de vida com maior qualidade humana e social.
3.2 A mudança sobre a avaliação
Uma avaliação deve incidir sobre as metas de aprendizagem consideradas fundamentais
para o conhecimento proposto nessa área e para um determinado nível de instrução. Quando uma
avaliação revela um grau de conhecimento dos alunos que não é adequado às necessidades do
país ou da exigência tecnológica e social do momento, então existe uma forte possibilidade de os
métodos usados na instrução terem que ser alterados. Atualmente, a avaliação dentro das
instituições de ensino brasileiras tem sido alvo de estudo por diversos pesquisadores
(MENEGUEL; KREISCH, 2009). Em causa está o caráter punitivo da avaliação atual e a sua
incapacidade na obtenção de parâmetros para a ação do professor que lhe permita mudar a forma
de apresentar o conteúdo aos alunos (CABRAL NETA, 2006; FREITAS; COSTA; MIRANDA,
2014). Isso significa que há necessidade de proceder a uma reformulação não apenas das
abordagens letivas, mas também uma redefinição dos parâmetros de aprendizagem e, como tal,
do sistema de avaliação. Em conclusão, quando o professor adota uma metodologia de ensino
diferente, também tem de alterar a forma de avaliar os alunos.
Avaliar um conjunto vasto de competências dos alunos, nomeadamente ao nível dos
conhecimentos conceitual e processual, mas também das componentes atitudinal e axiológico,
implica recorrer a ferramentas diversificadas que possam fornecer parâmetros fiáveis para essa
avaliação. O emprego de metodologias ativas no processo letivo proporciona momentos de
criatividade, de reflexão e de desenvolvimento de capacidades, para usar o conhecimento
adquirido em contextos diversos, devendo as atividades propostas em contexto letivo ser alvo de
um processo avaliativo que efetivamente reflita o que o aluno sabe e consegue fazer.
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Isto não significa que os testes devam ser eliminados. Simplesmente, o peso dos testes e
exames no processo avaliativo deve ser repartido com outros elementos de avaliação a delinear
pelos professores, tais como atividades de leitura prévia, trabalhos de projeto e de pesquisa,
atividades experimentais reais e virtuais com os respectivos relatórios, análise de vídeos
educativos, exploração de simulações computacionais, por exemplo, podendo ser estes avaliados
como trabalhos de grupo ou individuais (CARVALHO; PÁRAMOS, 2017). Recentemente, têm
surgido várias propostas neste sentido de diversificar as situações de avaliação em contexto letivo
(KOSER, 2012; PERRY, 2013; CARVALHO; PÁRAMOS, 2017), que constituem uma boa
fonte de informação e apoio para os professores.
Esta forma de avaliação distribuída é mais próxima daquilo que o aluno efetivamente sabe
e consegue fazer em termos práticos. Ela reveste-se, assim, de um caráter mais justo e atua como
um estímulo para o aluno encarar a escola, não como um lugar punitivo ou de perda de tempo,
mas com o potencial formativo e social por ele reconhecido para melhorar a sua qualidade de
vida.
A grande questão é que para pensar em novos métodos de exposição e avaliação dos
conteúdos lecionados, é necessário que os profissionais saibam buscar novos horizontes
educativos. O problema nessa equação é que espera-se uma atuação diferenciada dos
profissionais em ensino básico sem que eles tenham sido formados para esse fim; isto é, nos
cursos voltados a fornecer a habilitação em licenciatura, as aulas e metodologias de ensino ainda
estão presas aos métodos tradicionais.
Se admitirmos que existe uma orientação já estabelecida na formação inicial e continuada
dos futuros professores, é possível que elementos como a estrutura dos cursos e o perfil do corpo
docente integrante das instituições de ensino superior com responsabilidade nessa formação,
sejam pontos importantes que devem ser levados em conta durante essa análise.
4 Um olhar sobre a estrutura do curso e o corpo docente das instituições formadoras de
licenciados: o caso particular da física
É indiscutível que a qualidade de uma instituição de ensino está fortemente ligada à
qualificação do corpo docente que faz parte dela, visto que estes são responsáveis pela formação
dos profissionais que daí advêm. No entanto, nos cursos de formação inicial de professores, é
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realidade do Rio de Janeiro.
fundamental que os responsáveis pelas disciplinas da grade curricular possuam o entendimento
sobre as reais competências que os alunos (futuros professores) precisam desenvolver, além da
capacitação necessária para a atividade letiva no ensino superior. Nesse sentido, um olhar sobre
os cursos de formação de licenciados em Física permitirá relacionar a falta de uso de
metodologias diferenciadas na educação básica com as características do curso e dos
profissionais responsáveis pela formação dos professores, que atuaram no segmento de ensino já
citado.
No Estado do Rio de Janeiro existem várias instituições de ensino superior que dispõem,
dentro do seu conjunto de cursos, a opção que visa atender aos interessados em obter o grau de
licenciado em Física. Quase 60% desses cursos estão localizados em municípios na região
metropolitana do Rio de Janeiro e a maioria sendo oferecida por instituições públicas (MEC,
2017).
Gráfico 3 - Distribuição percentual das instituições que possuem o curso
de licenciatura em Física, na região metropolitana do Rio de Janeiro
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. Instituições de educação superior e cursos
Acesso em: 5 maio 2017.
Todas essas instituições são reconhecidas pela excelência e tradição na formação de
profissionais nos cursos de licenciatura e/ou bacharelado. No entanto, na estrutura desses cursos
percebe-se que eles estão subdivididos em cinco grupos básicos de disciplinas com as seguintes
características (UERJ, 2017; UFF, 2018; UFRJ, 2017; UFRRJ, 2017):
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CRUZ, Frederico Alan de Oliveira; CARVALHO, Paulo Simeão. Reflexões sobre aprendizagem e ensino de física a partir da
realidade do Rio de Janeiro.
grande carga conceitual em Física, desconectada da atividade na qual os alunos serão
formados,
cunho matemático/computacional;
conteúdos pedagógicos gerais, habitualmente lecionados por profissionais das áreas de
pedagogia, psicologia e sociologia que, apesar de apresentarem conhecimento
reconhecido dos referidos tópicos, não permitem a compreensão dos fenômenos
naturais que favoreçam uma abordagem dos temas de Física durante as aulas;
conteúdos especificamente ligados a técnicas de ensino da Física; e finalmente
conteúdos diversos.
Além de existirem, na estrutura dos cursos, poucas disciplinas que contribuam
diretamente para que ocorra uma transposição didática dos conceitos de Física, sabe-se que as
aulas nas instituições formadoras têm pouca ou quase nenhuma inovação tecnológica para a
apresentação dos temas. Nas habitualmente denominadas aulas teóricas, estas ainda são
estruturadas num formato tradicional, sendo muito similares com aquelas apresentadas em nível
básico (ZANOTELLO; ALMEIDA, 2007, p. 1), onde o seguimento das aulas se dá: “[...] atravps
de livros didáticos ou apostilas que apresentam um breve resumo das teorias físicas, seguido pela
resolução de exercícios, em geral organizados de modo a produzir apenas uma repetição
sistemática de procedimentos”.
Nas aulas experimentais, onde deveria haver grande discussão sobre os fenômenos,
percebe-se, pelo formato das aulas, que elas são centradas em obter resultados. Ao entrarem nos
laboratórios os alunos recebem um roteiro de experimento, que podemos entender como um
protocolo de ações, uma “receita” para seguir acriticamente um conjunto de passos para obter um
determinado valor para certa grandeza de interesse, que servirá para posteriormente ser produzido
um relatório a entregar ao professor responsável (PAZ, 2014).
Essa realidade está ligada a alguns fatores. O primeiro deles tem relação com a falta de
vivência de muitos professores das Instituições do Ensino Superior (IES) no ensino básico e das
necessidades prementes da profissão, tanto no que diz respeito à sua capacitação para realização
das provas de acesso a instituições de ensino como para a sua atividade profissional. Outro ponto
está associado ao entendimento equivocado da legislação vigente para a criação de uma grade
curricular moderna para a formação de licenciados, impedindo assim que esta seja mais enxuta e
eficiente.
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CRUZ, Frederico Alan de Oliveira; CARVALHO, Paulo Simeão. Reflexões sobre aprendizagem e ensino de física a partir da
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A questão sobre os docentes das IES pode gerar, em um primeiro momento, algum
desconforto, mas a sua análise se faz necessária para que seja possível compreender o atual
cenário do ensino. Ainda que esses profissionais sejam reconhecidamente bem formados a nível
científico e com grandes índices de publicação, em revistas nacionais e internacionais de grande
impacto, que devido a isso permite a muitos deles serem reconhecidamente expoentes em suas
respectivas áreas, fato é que poucos possuem efetiva compreensão sobre os elementos envolvidos
com o ensino pré-universitário, a popularização e a divulgação da Física.
Isso fica explícito quando se faz uma análise do corpo docente das quatro mais
importantes instituições públicas, localizadas na região metropolitana da cidade, que formam
professores de licenciatura. Nela é possível perceber um panorama que pode lançar um pouco de
luz sobre o nível de formação nas IES, visto que o número de profissionais que fazem ou fizeram
algum tipo de pesquisa dentro do campo do ensino, mesmo que resultado de apenas uma reflexão,
está em torno dos 24% (UERJ, 2017; UFF, 2018; UFRJ, 2017; UFRRJ, 2017).
Mesmo com o advento dos núcleos docentes estruturantes existentes dentro das unidades
responsáveis pelos cursos, instituído pela Lei N.º 10.861 (BRASIL, 2004), com o papel de
acompanhar, fortalecer e atualizar o projeto pedagógico do curso, o que ocorre é que nem todos
os seus membros estão, de alguma forma, sensibilizados com a problemática do ensino. O
pressuposto que alguém formado em Física, sem a devida interação com o segmento do ensino,
possa contribuir positivamente com a formação dos alunos, é tão falsa quanto imaginar que um
pesquisador em cosmologia possa dar contribuições precisas num laboratório de engenharia de
materiais.
É um fato que as contribuições e percepções externas a certo problema são sempre
importantes para fomentar a melhoria em qualquer área do conhecimento, pois abrem a
possibilidade de evolução da área por uma visão diferenciada. Ainda assim, se essas formações
não foram efetivamente preparadas por profissionais conhecedores dos problemas do ensino, é
possível que as mudanças necessárias para a melhoria da educação básica nunca ocorram com a
qualidade e celeridade esperadas pela sociedade.
5 Considerações finais
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realidade do Rio de Janeiro.
Dentro do atual cenário educativo, é urgente intervir no sentido de melhorar a formação
inicial e continuada dos professores que lecionam os conteúdos de Física nas escolas brasileiras.
Fundamentalmente, é necessário que sejam tomadas medidas com o objetivo de melhorar,
agilizar e flexibilizar a grade curricular existente dentro das demandas da sociedade atual,
aumentar os concursos voltados para a entrada de especialistas nessa área de conhecimento para
uma maior presença de professores no curso de formação com sensibilidade na área de ensino e
adequar os conteúdos apresentados durante os cursos, permitindo trabalhar a transposição
didática dos mesmos para a linguagem do ensino básico.
Finalmente não é possível dissociar o ensino nem do processo avaliativo, nem das novas
tendências tecnológicas existentes no mundo contemporâneo. Para tal, deve-se trazer novas
ferramentas de ensino e avaliação para a prática pedagógica. Esta ação permitirá que os futuros
professores tenham contato com materiais curriculares, ferramentas e metodologias de ensino e
aprendizagem atualizados, para que assim façam uso deles durante a sua futura prática
pedagógica, impactando positivamente a educação básica.
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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro | Instituto de
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Seropédica | RJ | Brasil. Contato: frederico@ufrrj.br
ORCID 0000-0002-2612-3952
Paulo Simeão de Carvalho
Universidade do Porto | Unidade de Ensino das Ciências /
Departamento de Física e Astronomia, IFIMUP, Faculdade de
Ciências.
Porto | Portugal. Contato: psimeao@fc.up.pt
ORCID 0000-0002-5381-955X
Artigo recebido em: 26 mar. 2018 e
aprovado em: 24 abr. 2018.
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