Os desafios e as possibilidades do trabalho docente com o aluno surdo na
universidade
Flavinês Rebolo
Nayara Cesário Martins
Resumo: O artigo apresenta um estudo que objetivou analisar o trabalho docente frente aos processos de inclusão e
de ensino e aprendizagem do aluno surdo na universidade, identificando os desafios enfrentados e as
práticas utilizadas pelos professores. A pesquisa, de abordagem qualitativa, utilizou como instrumento para
coleta de dados a entrevista semiestruturada. Participaram 16 professores dos cursos de licenciaturas, que
ministravam aulas para alunos surdos, em uma universidade de Campo Grande/MS. Para as análises
utilizou-se a análise temática de conteúdo de Schütze. Os resultados apontam que os principais desafios
enfrentados pelos professores dizem respeito ao planejamento e preparação das aulas com materiais
pedagógicos diferenciados, à avaliação dos alunos surdos e à relação com os intérpretes da Língua
Brasileira de Sinais. Também foi possível identificar experiências de mal-estar, vividas por esses docentes,
por não conhecerem a Libras e por não conseguirem participar diretamente dos diálogos com os alunos
surdos.
Palavras-chave: Trabalho docente. Aluno surdo. Professor universitário.
The challenges and possibilities of teaching work with the deaf student at the
university
Abstract: The article presents a study that objected to analyze the teaching work in the processes of inclusion and
teaching and learning of the deaf student in the university, identifying the challenges and the practices used
by the professors. The research, of qualitative approach, used as instrument for data collection the semi-
structured interview. Participants were 16 professors from the undergraduate courses, who taught classes
for deaf students, at a university in Campo Grande / MS. The thematic analysis of content, of Schütze, was
used for the analyzes. The results point out that the main challenges faced by professors are related to the
planning and preparation of classes with differentiated teaching materials, to the evaluation of deaf
students and to the relation with the interpreters of the Brazilian Language of Signals. It was also possible
to identify experiences of malaise experienced by these professors, for not knowing the Libras and for not
being able to participate directly in the dialogues with the deaf students.
Keywords: Teaching work. Deaf student. University professor.
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Introdução
Ainda são escassos os estudos com foco na inclusão de surdos na universidade, segundo
Santana (2016), e isto se deve, provavelmente, ao fato de que o acesso e a presença desses
estudantes no ensino superior é algo bastante recente na maioria das universidades brasileiras.
Percebe-se, no entanto, que cada vez mais os alunos surdos estão avançando em sua caminhada
escolar e chegando ao ensino superior, com maiores oportunidades em diversos cursos
(SANTANA, 2016; BISOL et al., 2010).
Na universidade, os professores enfrentam vários desafios relacionados à inclusão do
aluno surdo, como, por exemplo, as questões implicadas na relação professor/aluno surdo durante
as aulas e professor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais
(Libras), além dos desafios
concernentes às práticas pedagógicas necessárias ao aprendizado dos conteúdos pelo aluno surdo.
Como uma primeira aproximação desta realidade, o estudo realizado visou analisar o
trabalho docente no processo de ensino e aprendizado do aluno surdo na universidade. Por meio
de entrevistas semiestruturadas, foram entrevistados 16 professores de uma universidade de
Campo Grande, MS, que tinham alunos surdos incluídos em suas turmas dos cursos de
licenciatura em Biologia, Educação Física e Pedagogia. As entrevistas foram registradas com
gravador de áudio, transcritas na íntegra e analisadas em conformidade com o modelo de análise
temática de conteúdo, proposto por Schütze (2010a, 2010b, 2014).
Os 16 professores participantes da pesquisa têm idade entre 33 e 64 anos; cinco são
homens e onze mulheres. Quanto à formação, três são graduadas em Pedagogia, dois em Ciências
Biológicas, dois em Fisioterapia, dois em Matemática, dois em Psicologia, dois em Educação
Física, um em História e um em Jornalismo. Desses docentes, onze possuem especialização em
suas áreas de formação, todos têm mestrado e três são doutores. A jornada de trabalho varia de 40
horas/aulas semanais (onze professores) a 17 horas/aulas semanais (cinco professores). Todos
atuam como docentes na educação superior há pelo menos cinco anos e dois professores têm
carreiras mais longas, com
34 anos na docência universitária. Sete professores já haviam
trabalhado com alunos surdos no ensino superior e os outros nove estavam vivenciando, no
momento desta pesquisa, a primeira experiência como professores de alunos surdos.
Os resultados apresentados a seguir mostram os desafios que esses professores
enfrentaram em sala de aula para a inclusão do aluno surdo, as práticas pedagógicas adotadas e
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algumas especificidades das relações entre o professor e o aluno surdo e entre o professor e o
intérprete educacional.
O trabalho do professor e o aluno surdo na universidade
O trabalho docente é instituído pela finalidade da ação de ensinar e, segundo Basso
(1998), o professor é o agente mediador entre o processo de apropriação do conhecimento pelo
acadêmico e os sentidos de um conjunto de saberes que são efetivados por meio de determinadas
práticas didático-pedagógicas. Essas práticas, muitas vezes, não são suficientes e/ou adequadas
para atender às necessidades impostas pelas transformações sociais e tecnológicas do nosso
século, impondo grandes desafios e exigindo, do professor e das instituições, constantes esforços
de atualização e mudanças, para que se criem ações inclusivas e planejamento adequado de
práticas pedagógicas que favoreçam a aprendizagem e atendam às necessidades de todos os
alunos durante sua permanência na educação superior.
Um desses desafios, que será analisado aqui mais detalhadamente, está colocado com a
presença de alunos surdos na universidade, que começou a se intensificar com a Lei 10.436, de
24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e
com o Decreto 5.626 (BRASIL, 2005) que garante o direito à educação das pessoas surdas ou
com deficiência auditiva.
Os surdos fazem parte de um grupo que necessita de atendimento educacional especial,
principalmente por não conseguirem se comunicar por meio da oralidade e por possuírem a
Libras como primeira língua. A Lei 10.436 (BRASIL, 2002) garante a presença de um agente
facilitador, ou de apoio, que é o intérprete de Libras na sala de aula, mas Moura (2000) enfatiza a
importância do professor também conhecer a Libras, a fim de que a responsabilidade pela
comunicação e pelo ensino dos alunos surdos não recaia somente sobre o intérprete.
Além disto, se considerarmos a inclusão com um sentido mais amplo, que é o estar com o
outro, é aprender a viver com o outro, é a participação das pessoas em uma nova e enriquecedora
proposta educacional que celebra a diversidade e as diferenças, conforme afirma Aranha (2001),
o papel do professor vai muito além do conhecimento da Libras. Segundo Lima (2015), a
inclusão dos surdos na sala de aula não deve ser pautada apenas na interação física, mas também,
na troca de conhecimentos, interações socioculturais e formação compartilhada.
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O grupo de alunos surdos busca uma educação que respeite a sua diferença. De acordo
com Stumpf (2008, p. 23), “os movimentos surdos apontam para a construção de outra história
para sua educação, uma história que não a da falta. Temos sugerido caminhos e mostrado que
recursos sociais e artefatos culturais podem tornar à surdez aquilo que ela realmente é: uma
diferença a ser respeitada”.
O apoio pedagógico diversificado é considerado um mediador da aprendizagem e do
desenvolvimento desses alunos e é mais eficiente do que um trabalho segregado, com
programações específicas. Esse tipo de trabalho, evidentemente, traz grandes desafios às
instituições de ensino e aos professores, no sentido de desenvolver e oferecer recursos
diferenciados e metodologias de ensino que assegurem o êxito na tarefa de atender o aluno surdo
e atingir os objetivos curriculares. Assim, além dos desafios cotidianos, quando se tem alunos
surdos na classe, o professor universitário também enfrentará o desafio de preparar uma
metodologia diferenciada, o que exigirá esforço extra desses professores. Enfrentar esses desafios
exigirá conhecimento, não apenas técnico-científico, mas também, de recursos emocionais e
estratégias de enfrentamento para superar as dificuldades.
O professor necessita realizar um esforço comportamental e cognitivo, precisa saber lidar
com as dificuldades apresentadas, assim como com as demais pessoas e o meio. É importante
salientar que o professor precisa buscar estratégias de enfrentamento para minimizar ou
solucionar suas dificuldades em sala de aula. Segundo França e Rodrigues (1997, p. 36), o
enfrentamento p um “conjunto de esforços que uma pessoa desenvolve para manejar ou lidar com
as solicitações externas ou internas, que são avaliadas por ela como excessivas ou acima de suas
possibilidades”. Quando desenvolvem um repertório de estratpgias de enfrentamento, as pessoas
podem se tornar mais capazes para lidar melhor com os obstáculos, escolhendo aquelas que
podem ajudá-las a chegar a seus objetivos em diferentes situações. Nesse sentido é importante
destacar o papel das formações continuadas, que devem não apenas oferecer conhecimentos
técnicos disciplinares, e o apoio da instituição, tanto no que se refere às questões pedagógicas
quanto às condições de trabalho adequadas.
O respeito pela diferença cultural e a percepção de que a educação precisa ter um olhar
diferenciado para a diversidade em sala de aula são importantes para o processo educacional do
surdo. Mesmo que se constitua um desafio para o professor, é fundamental buscar a igualdade de
oportunidade em sala de aula a fim de que esse aluno e o professor atinjam seus objetivos, que é
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o aprendizado e, independentemente das experiências anteriores dos docentes, ser professor de
surdo é desafiador, principalmente quando se trata de formação na educação superior.
Os professores entrevistados nesta pesquisa relataram vários desafios que tiveram de
enfrentar ao ministrarem aulas em turmas com alunos surdos, entre eles: o planejamento e a
preparação das aulas com materiais pedagógicos diferenciados, a avaliação dos alunos surdos, a
relação com os intérpretes da Língua Brasileira de Sinais
(Libras) e a falta de formação
específica. Ao mesmo tempo relataram, também, as adaptações e modificações que fizeram em
suas práticas com vistas a atender melhor o aluno surdo. A seguir são apresentados esses desafios
e os modos encontrados pelos professores para enfrentá-los.
Primeiro desafio: o planejamento, a preparação de materiais didáticos especiais e o ritmo
das aulas
Em relação ao planejamento, uma primeira dificuldade relatada pelos professores foi o
fato de não terem sido avisados, com antecedência, da presença de um aluno surdo em suas
turmas. Os professores, em geral, elaboram seus planejamentos antes do início do semestre a
partir de um pressuposto de homogeneidade, para
“alunos imaginariamente homogêneos”,
conforme afirmam Harriston e Nakasato (2015, p. 67). Se este pressuposto, de trabalhar o
conteúdo de forma igual para todos, não atende completamente nem os alunos ouvintes, para o
aluno surdo se torna ainda mais ineficiente. Nesse sentido, alguns dos professores entrevistados,
ao se depararem com um aluno surdo na classe sentiram, de forma mais indubitável, a
necessidade de um planejamento diferenciado.
Não sabia que teria um aluno surdo, para eu preparar melhor o conteúdo. (Profa. Paula)1
Não sabia que teria um aluno surdo. No início eu me dediquei mais. Precisei me organizar, não sabia como
trabalhar com ele... (Prof. Bruno)
Não fui informada que teria um aluno surdo e tive que aprender como lidar com a situação. Às vezes, eu
tinha planejado e precisava reorganizar. Precisei adaptar os vídeos, com legendas, adaptar os slides... os
trabalhos eram mais individuais. (Profa. Deise)
1 Os nomes de todos os professores participantes desta pesquisa foram substituídos por pseudônimos para garantia do
anonimato.
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À surpresa de entrar em classe e se deparar com um aluno surdo soma-se, para esses
professores, a percepção de que precisariam fazer adaptações em suas aulas, mas se sentiam
despreparados, com conhecimentos insuficientes para realizar tais adaptações.
Faço meu planejamento e sempre procuro dar uma organizada, mas é complicado. Não recebi nenhuma
orientação sobre como trabalhar com o surdo. Sinto que não pude ajudá-lo, fiquei frustrada. (Profa. Clara)
Eu demoro mais para preparar minha aula, porque preciso pensar no acadêmico e para facilitar a
aprendizagem, uso recursos visuais... mas, eu percebo que ele tem dificuldade de compreensão de conceito,
e eu não tenho muito conhecimento... (Profa. Bianca)
Assim, em relação ao planejamento e preparação das aulas e materiais pedagógicos
diferenciados depreende-se, dos relatos de alguns dos professores, que estes se preocupavam em
planejar as aulas, utilizando métodos que pudessem facilitar a compreensão dos conteúdos a
serem ministrados e que possibilitassem a aprendizagem dos alunos surdos, mas percebe-se que a
formação continuada, principalmente a específica para atender educandos com deficiência, deve
ser oferecida pela instituição de forma sistematizada para maior eficiência e bem-estar dos
professores. A Profa. Laura afirma que sentiu
Necessidade de formação continuada para atender meu aluno surdo, queria ter mais informação
pedagógica, assim podemos melhorar o ensino e aprendizado do aluno surdo. O desempenho dele foi ruim.
No caso da instituição estudada há um Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) e alguns
professores o procuraram para obter subsídios para o planejamento, como relata a Profa. Eliane
que, “alpm de buscar ajuda do NAP”, também procurou “ler mais sobre o assunto por conta
própria”, e o Prof. Bruno que “no começo não tinha segurança por falta de conhecimento e, ao
longo do semestre, essa segurança foi construída... o NAP ajudou um pouco”.
Pode-se inferir que esses professores procuraram modificar ações, posturas e atitudes para
atender às necessidades dos educandos com deficiência auditiva.
O trabalho docente de planejar e preparar aulas para turmas com alunos surdos despende
muito tempo, pois é preciso buscar os recursos apropriados e diferenciados para trabalhar os
conteúdos da aula. Segundo Harriston e Nakasato (2015), um texto escrito, por exemplo, para o
surdo, é um recurso não construtivo, não acrescenta muito à explicação do professor, tendo-se em
conta que a Língua Brasileira de Sinais, a primeira língua de um surdo, tem uma estrutura textual
diferente da Língua Portuguesa, que é a sua segunda língua.
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Nesse sentido, o uso de imagens é fundamental em sala de aula, principalmente quando o
professor está mediando o conhecimento para um aluno surdo. Mas é preciso, também, escolher
material/imagens que estejam mais próximas da realidade desse aluno, para que ele consiga
identificar e compreender o que está sendo lecionado.
Usei textos avulsos, slides eram com pequenos textos, imagens, filmes. Ele não precisou de tempo a mais
para realizar, ele sempre participou de todas as atividades. A sala numerosa dificultou meu trabalho com
acadêmico surdo. (Profa. Ana)
Utilizei alguns recursos em minhas aulas como slides bem coloridos, com figuras, muitas figuras e filmes e
o meu jeito de ser bem articulada, dinâmica facilita bastante. (Profa. Clara)
No discurso dessas professoras constata-se que houve modificação no planejamento,
incluindo a confecção dos slides com muitas imagens que poderiam facilitar o entendimento
sobre conteúdos trabalhados em sala de aula. Com relação a esse recurso, Silva (1999, p. 487)
observa que
Ao trazer a epistemologia visual para o campo pedagógico, os surdos, ao mesmo tempo
que evidenciam as limitações do processo pedagógico centrado no som também
apresentam a sua experiência visual como uma das alternativas possíveis para sua
inserção e permanência no sistema de educação brasileiro (SILVA, 1999, p. 487).
A leitura de textos é um dos desafios para os alunos surdos, no seu processo acadêmico,
uma vez que essas habilidades nem sempre foram/são trabalhadas de forma adequada, ao longo
da trajetória escolar deles; sempre foi imposto o formato majoritário do ouvinte e não o
bilinguismo no qual a Libras é a primeira língua e a Língua Portuguesa, a segunda língua.
Karnopp (2013, p. 57) complementa afirmando que essa dificuldade acontece porque
na escola, busca-se uma correspondência estreita entre a Língua Portuguesa e a Língua
de Sinais, subordinando os sinais à sintática do português, consequentemente sinais são
inventados, a língua de sinas é artificializada e a escrita da portuguesa é imposta aos
surdos sem considerar a diferença linguística e cultural.
Os textos, quando não adaptados às necessidades do aluno surdo, provavelmente não
contribuem para uma aprendizagem efetiva, uma vez que as condições de compreensão do surdo
são distintas das que têm os alunos ouvintes. Essa situação não deve ser encarada pelo viés da
culpabilização, pois de acordo com Harriston e Nakasato (2015),
Devido ao histórico educacional e às dificuldades que enfrentaram e enfrentam para
terem acesso às informações usualmente veiculadas através da audição, muitas vezes os
surdos não conhecem os conceitos ligados às teorias, há palavras desconhecidas ou
usadas em um contexto novo e/ou com outro sentido daquele que conhecem o que
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desestabiliza todos os conhecimentos até então adquiridos e a compreensão da matéria
nova (p. 67).
As dificuldades relatadas pelos professores sobre a falta de conhecimento prévio desses
alunos surdos em relação à fluência na leitura acontece. Os alunos chegam à universidade com
lacunas no aprendizado devido ao processo de escolarização que não contemplou o bilinguismo
nas escolas da Educação Básica, mas eles não podem ser responsabilizados por isso, tampouco
colocados de lado; é preciso que os professores tenham uma postura coerente e trabalhem essas
lacunas utilizando recursos diferenciados em sala de aula.
Além da preparação de material de apoio visual, outro aspecto destacado pelos
professores foi o ritmo das aulas, o tempo necessário para a realização das atividades. Muitas
vezes é necessário disponibilizar mais tempo para o aluno surdo desenvolver uma atividade de
fixação, ou uma atividade avaliativa, uma vez que, dependendo do que lhe é solicitado e do grau
de dificuldade para compreensão da Língua Portuguesa, o aluno surdo pode precisar de mais
tempo para a realização da atividade.
Quando você elabora o planejamento, você não pensa que vai ter alunos diferentes. Eu quando explicava
olhava para a intérprete, porque a comunicação é tudo, gesto, olhar. O ritmo de aula precisou diminuir.
(Prof. Luan)
Tive que aprender a prestar atenção nas minhas aulas para atender o aluno. Mudar a minha aula, para
atender a necessidade do aluno e modificar o ritmo da aula para o intérprete acompanhar explicação.
Minhas dificuldades foram de conhecer o aluno e as necessidades dele. Tive Dificuldades em prestar
atenção nos dois alunos surdos e intérprete ao mesmo tempo. (Profa. Julia)
Também se verificou na fala dos professores entrevistados que, em casos de necessidade,
aceitavam receber os trabalhos e avaliações dos alunos surdos fora do prazo determinado para os
alunos ouvintes. Os docentes compreendem que é preciso ficar atento o tempo todo em sua
explicação do conteúdo, observando os alunos ouvintes, o intérprete educacional e o aluno surdo,
principalmente com relação à leitura de suas expressões faciais e corporais que pode ser um
indicativo de compreensão do conteúdo ministrado.
É de extrema importância que os professores reconheçam o surdo como sujeito diferente,
que tem língua, cultura e identidade próprias e que tem o direito de receber subsídios e condições
de igualdade de aprendizagem. É relevante que haja a inclusão dos surdos para o fortalecimento e
relações culturais, tanto para os surdos como para os ouvintes. Nesse sentido pode-se dizer que a
preparação do material de apoio visual, vídeos, adequação do ritmo da aula e a mudança de
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postura dos professores em classe são aspectos que refletem a preocupação dos professores com a
aprendizagem desse alunado.
Mas, embora a maioria dos professores tenha se preocupado com as adaptações
metodológicas de suas aulas houve, também, relatos de professores que não fizeram nenhuma
adaptação, ou porque acreditavam que não havia necessidade ou por dificuldade em trabalhar
com recursos visuais.
Acho que não tenho que tratar diferente, acho que tenho que colocá-lo na sala de aula em contato com os
demais alunos e não tenho que modificar a sala por causa de só um aluno surdo, não pode tratá-lo como
ser diferente de todo mundo e menosprezar a sala inteira só por causa desse aluno. (Prof. Fabio)
Na verdade, eu nunca mudei minhas aulas, porque a Filosofia é teórica, não tem como criar nada, é debate,
leitura. Não sei se era a dificuldade de compreender a disciplina. Tem pessoas que não gostam... percebo
que aconteceu com o acadêmico. A percepção que eu tinha era que se eu o tratasse diferente estaria
considerando ele como coitado, incapaz. (Prof. Luan)
A forma como os surdos ainda são vistos por professores caracteriza um olhar clínico-
terapêutico, ou seja, que os considera deficientes, “coitadinhos”, que podem ter dificuldades de
aprendizagem, razão por que, talvez, não modificam sua estratégia de ensino. Veja-se o que
Lopes (1998, p. 114) escreve:
Os surdos, quando não representados como sujeitos culturais, entram no rol dos
desajustados, desintegrados da sociedade ouvinte, deficientes e incapazes de se
desenvolverem sem o auxílio de grupos dominantes culturalmente. A escola não pode
mais representar e contar os sujeitos com os quais trabalha, referendada em um único
modelo de normalidade ou deficiência. Ela precisa procurar vê-los dentro do hibridismo
em que estão envolvidos enquanto sujeitos diferentes e pertencentes a um grupo cultural
em permanente construção e desconstrução de conceitos, comportamentos, valores [...].
A percepção de que os surdos são deficientes e a concepção de planejamento hegemônico
das aulas constituem embargos ao aprendizado desses alunos. Os relatos desses professores
sugerem que estes não prepararam aula para atender o aluno surdo, não utilizaram métodos que
pudessem facilitar o aprendizado desse aluno. Esse tipo de atitude aponta para a importância de
uma formação continuada específica destinada a professores que têm de lidar com casos de
alunos surdos, em suas aulas. A preparação do professor universitário para trabalhar com alunos
surdos, assim como em qualquer outra área de atuação, é importante. Compreender a inclusão em
todos os seus aspectos é imprescindível para a construção do plano de aula, estratégias de ensino
e avaliação.
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A falta de preparação e o desconhecimento da Libras também afeta o desenvolvimento
das aulas e as relações entre o professor e o aluno surdo.
Não tive formação para trabalhar com surdos. Compreender a Língua de Sinais é mais desafiador do que
preparar a aula e fazer as adaptações necessárias. (Profa. Deise)
Não sabia a Língua de Sinais. O meu desafio era a preocupação em saber se a intérprete está entendendo,
porque ela era minha fonte com o acadêmico... dependia dele para me comunicar com o aluno surdo.
(Profa. Paula)
Nesse caso, a professora gostaria de ter recebido preparo para trabalhar com um aluno
surdo. Os docentes devem participar de cursos de capacitação antes de entrar em sala de aula e se
deparar com o desconhecido, com a escrita diferente, com a dificuldade de comunicação
acarretada pela surdez do aluno. Os docentes devem receber subsídios que propiciem um olhar
diferenciado, atento a todos os movimentos, uma sensibilidade à diferença e, também condições
apropriadas de trabalho.
Tive dificuldade em saber se meu aluno surdo estava aprendendo o conteúdo. A sala era numerosa, isso
dificultou um pouco para eu trabalhar com o acadêmico, não consegui dar atenção especial, não tinha
tempo... Não tinha conhecimento se podia fazer avaliação diferente (Profa. Paula)
Segundo desafio: a avaliação dos alunos surdos
Os docentes têm autonomia para trabalhar a avaliação e, nas narrativas, observa-se que
foram utilizadas diferentes formas de avaliar os alunos. Alguns professores avaliaram os alunos
surdos da mesma forma que os alunos ouvintes; há os que realizaram alguma adaptação e outros
procuraram avaliar o acadêmico de forma processual, durante o semestre, sem se prender apenas
nas avaliações formais.
Professores que fizeram alguma adaptação no processo avaliativo, que sentiram a
necessidade de avaliar o aluno surdo de forma diferenciada dos alunos ouvintes e utilizaram
outros recursos de avaliação para acompanhar o aprendizado do conteúdo ministrado durante o
semestre, relataram que
As avaliações eram simples, mas objetivas porque são licenciaturas gerais. Eu avalio a participação deles,
não é só a prova. (Profa. Clara)
Nas avaliações precisei fazer uma adaptação na prova de exame. Eu conversei com ele sobre o conteúdo e
pude avaliar a argumentação do conteúdo. As outras avaliações não foram adaptadas, foram às mesmas.
(Profa. Paula)
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Alguns professores, ao avaliarem os alunos surdos preferiram fazê-lo durante o processo,
ou seja, observando o desenvolvimento do acadêmico não só nas avaliações tradicionais, mas
também em outros momentos de participação em sala de aula.
A avaliação com a acadêmica era uma cobrança mais suave na disciplina, avaliei o que ela produzia, não
só o conteúdo, a avaliação foi adaptada sendo observada cada aula. (Prof. Yuri)
É preciso, no entanto, no que se refere às exigências de avaliação, dar condições de
aprendizagem aos alunos surdos para que consigam ser avaliados com o mesmo rigor que os
demais alunos da sala de aula. O professor Yuri, conforme se pôde observar, não tornou mais
fácil o processo de avaliar o aluno surdo, apenas fez adaptações: avaliou a aluna ao longo do
semestre e não apenas considerou as provas escritas, mas todo o processo.
Carvalho (2005, p. 58) faz referência a essas estratégias na educação superior:
[...] a grande marca do ensino superior não está em fazer benemerências ou atividades
assistenciais, mas construir práticas pedagógicas que levem o aluno em formação a
empenhar-se pelo bem comum, diagnosticar problemas e elaborar estratégias de
intervenção viáveis no cenário em que atua.
Os professores participantes buscaram encontrar estratégias que pudessem auxiliar na
avaliação do surdo. Em algumas narrativas percebe-se, ainda, que a avaliação não levou em conta
apenas as respostas escritas, mas a forma como o aluno tinha compreendido o conteúdo e o apoio
do intérprete educacional.
Alguns docentes revelaram que não fizeram adaptação nas avaliações durante o semestre,
porém precisaram de auxílio do intérprete e de extensão do tempo para que os acadêmicos surdos
realizassem as provas.
Precisei da presença do intérprete, para me auxiliar na compreensão da escrita... não tenho conhecimento
da Libras. As dúvidas na prova ela perguntava para mim. A avaliação era a mesma. (Profa. Ana)
Dei um tempo maior para ele realizar a prova. O português dele era curioso, mas não precisei da ajuda do
intérprete para corrigir. Sempre ficava ansioso para saber como foi o rendimento dele nas avaliações.
(Prof. Bruno)
Alguns professores participantes estranharam o modo de escrever do aluno surdo. A
professora Ana, por exemplo, necessitou do apoio do intérprete educacional para ajudá-la a
corrigir a avaliação do seu aluno. A escrita do aluno surdo possui uma estrutura diferente por
adotar a Libras como primeira língua, cuja característica espaço-visual foge dos padrões das
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línguas estrangeiras, inclusive da Língua Portuguesa, que é oral auditiva. Esta, para uma pessoa
surda, constitui-se na segunda língua. Sendo assim, é compreensível que esses professores
tivessem estranhado o modo de escrever de seu aluno surdo.
O tempo estendido para os alunos surdos realizarem a avaliação é também extremamente
importante, quando o acadêmico necessita, além de ser também um direito garantido em
legislação.
A professora Bianca declarou o seguinte posicionamento a respeito da presença do
intérprete durante a avaliação e do atendimento às dificuldades com a Língua Portuguesa do
aluno surdo:
Na avaliação, gosto que o acadêmico leia sozinho e, depois o intérprete vem interpretar o que ele não
conseguiu compreender, aí sim o intérprete pode fazer a interpretação, pois acredito que o aluno precisa
ter autonomia. (Profa. Bianca)
A preocupação da professora é com a autonomia do aluno, com seu aprendizado. Na visão
dela, o aluno precisa tentar ler sozinho a avaliação e verificar o que é capaz de responder sem a
tradução do intérprete. É possível, ainda, perceber que a professora não se posiciona contrária à
presença do intérprete educacional durante a avaliação, tampouco proibiu o auxílio da tradução.
A docente não demonstrou nenhuma inquietação em relação ao trabalho do intérprete na prova,
mas defende que o aluno surdo tenha autonomia.
Foram utilizadas, ainda, outras experiências diversas de como avaliar o aluno surdo,
conforme se pode ver nos relatos a seguir:
Eu usei dissertativa e discursiva aplico a mesma avaliação. Ele tem direto de ficar mais tempo. Ele nunca
usou esse tempo extra. Se ele apresentou dificuldade, ele não falou ou pediu mais explicação. Ele faz a
avaliação muito rápida e depois ele reclama que foi mal. (Profa. Eliane)
As avaliações, atividades avaliativas foram as mesmas. Eu acho que não teve as mesmas compreensões,
acho que não ficou no mesmo nível ou aprendizado que os outros alunos. (Profa. Laura)
Na fala da professora Eliane, nota-se um desabafo sobre os desafios vivenciados com o
acadêmico, apesar de lhe ter aplicado a mesma avaliação dos demais, com o tempo estendido
para que tivesse tempo hábil para responder as questões avaliativas.
A professora Laura pontuou em seu excerto que o aluno surdo não aprendeu o suficiente,
como os outros alunos. Essa preocupação remete ao que ela disse sobre seu planejamento: que
faltou, ao acadêmico, o conhecimento prévio matemático e, a ela, a preparação de aula que
pudesse facilitar o aprendizado a esse aluno.
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Para os professores deste estudo, os conhecimentos, habilidades e valores a serem
alcançados pelos educandos com deficiência auditiva, incluídos nas turmas do ensino comum,
devem ser os mesmos propostos para os seus colegas, variando, todavia, em relação ao apoio que
esses alunos precisam receber, em função de suas peculiaridades, bem como em relação aos
critérios de aquisição que forem mais convenientes para serem considerados nos processos de
avaliação e, embora tenham feito adaptações em suas avaliações, deixaram claro esse
posicionamento.
Mas para alguns professores, ao avaliarem o aluno surdo da mesma forma que os demais
acadêmicos, foi necessário o apoio do intérprete educacional e, nesse sentido, manifestaram
posicionamentos diferentes com relação à presença do intérprete durante avaliação:
Avaliei normalmente, e ele foi melhor que muitos alunos ouvintes, eu devo isso ao intérprete, ele não ia
conseguir sozinho. (Prof. Fabio)
Com a intérprete na avaliação eu ficava com pé atrás, eu não sabia o que eles conversavam. Eu já
perguntei para ela você não está respondendo pra ele não, né? Mas, ele foi claro dizendo que não, era
dúvida em relação às palavras. Era de verdadeiro ou falso, era sempre o último a entregar. Não houve as
adaptações. Ele ficou de exame, mas conseguiu ser aprovado. (Profa. Julia)
A avaliação eu ficava muito inseguro, porque eu não sabia o que estava acontecendo e pelo fato do
intérprete saber o conteúdo não posso afirmar que ela ajudava ou não. (Prof. Luan)
Os diferentes posicionamentos dos professores em relação à presença e atuação do
intérprete educacional, não só durante as avaliações, mas em todo o desenvolvimento das aulas,
foi apontado pelos professores como outro grande desafio, que será discutido a seguir.
Terceiro desafio: a relação com os intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras)
A presença do intérprete de Libras é necessária e auxilia os professores na comunicação
com os alunos surdos e, também, no apoio pedagógico. Alguns professores entrevistados se
encantaram com o trabalho do intérprete, outros conseguiram fazer uma boa parceria com esse
profissional e outros tiveram momentos conflituosos, fazendo referência a certo mal-estar
relacionado à presença do intérprete na sala de aula.
Foi difícil no começo, até pra eu entender a função dele [intérprete]. Mas depois foi uma relação boa,
afinal eu precisava dele.. (Profa. Kátia)
Intérprete é um agente facilitador, mas ainda é qualquer pessoa que quebra essa ideia de padronização na
aula, ainda é um desconforto para os professores. (Profa. Inah)
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Os professores Bruno e Yuri ressaltam suas preocupações em relação ao
acompanhamento do intérprete em suas explicações do conteúdo.
Preocupação de saber o que a intérprete está interpretando e como ela fazia... eu não entendia... eu queria
falar com ele. (Prof. Bruno)
O intérprete está ali, ela [aluna surda] não está prestando atenção em mim... (Prof. Yuri)
Essas preocupações se devem, aparentemente, ao fato desses professores não terem
conhecimento de Libras e, por essa razão, não compreenderem o que está sendo falado entre o
intérprete e o aluno surdo. Além disso, se ressentiam por não conseguirem efetivar a
comunicação com os alunos surdos e por não conseguirem obter suficientemente a atenção deles
durante as explicações.
Albres (2015) aponta que o intérprete realiza suas práticas conforme lhe é permitido,
porém o professor não tem clareza do papel desse profissional. Não saber falar em Libras, não ter
acesso ao diálogo entre o intérprete educacional com o acadêmico surdo durante a avaliação são
fatores que geraram mal-estar para alguns dos docentes deste estudo.
Os intérpretes foram os mediadores na comunicação e apoio para esses professores em
sala de aula e, também, em relação às correções de prova e às informações sobre o aluno surdo.
Para facilitar a compreensão do professor, o intérprete de Libras está sempre pronto a auxiliar
com a tradução da escrita do aluno surdo. Essa confiança e apoio do intérprete para o professor é
fundamental para que o trabalho pedagógico seja bem realizado e o aluno surdo seja avaliado
adequadamente.
Ainda que a maioria dos professores entrevistados tenha relatado sobre as relações
positivas que mantiveram com esses profissionais, existiram aqueles docentes que não se sentiam
à vontade, em alguns momentos, com o trabalho do intérprete em sala de aula e, principalmente
ao auxílio nas avaliações. O grande impasse era o receio de que o intérprete, mais do que apenas
auxiliar no entendimento das questões da prova, desse as respostas ao acadêmico surdo.
Não tenho problema com o intérprete, preciso dele para trabalhar, trabalhamos bem. Mas não gosto que
ele interpreta as avaliações. (Profa. Bianca)
Com a intérprete na avaliação eu ficava com pé atrás, eu não sabia o que eles conversavam. Eu já
perguntei para ela: você não está respondendo pra ele não, né? Mas, ele foi claro dizendo que não, era
dúvida em relação às palavras. (Profa. Julia)
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Na avaliação eu ficava muito inseguro, porque eu não sabia o que estava acontecendo e pelo fato do
intérprete saber o conteúdo não posso afirmar se ela ajudava ou não. (Prof. Luan)
Em algumas narrativas pode-se perceber a preocupação dos professores com a atuação do
interprete durante as avaliações. “Será que o aluno só foi aprovado por causa do intprprete? E a
capacidade de aprender do aluno?” (Profa. Inah). Essas questões acerca do papel do intérprete
precisam ficar claras para os docentes. Esse desconforto acontece porque se trata de um processo
novo para vários professores. Muitos deles não tiveram capacitação, desconhecem o trabalho do
intérprete educacional e vivenciam novo momento, sem compreender qual a melhor forma para
trabalhar com os acadêmicos surdos e com os intérpretes.
Desse modo, a presença do intérprete, tanto na sala de aula como nas avaliações, ao
mesmo tempo que é importante para o professor que não tem o domínio da Libras, também pode
ser motivo de desconforto, pelo fato de não compreender os diálogos entre seus alunos e o
intérprete, nas avaliações.
Tenho uma boa relação, às vezes eu assusto muito com as batidas de mão do intérprete na sala de aula. Eu
preciso confiar que ela fazia esse trabalho da interpretação, mas, fielmente a minha fala, não posso
afirmar, mas acho que ela passava o conteúdo. Se eu não confiasse, eu não conseguiria fazer minhas aulas,
não vou conseguir aplicar prova porque vou achar que ela passa cola. Eu precisava ter essa confiança.
(Profa. Clara)
A relação entre docente, alunos surdos e intérprete é de extrema importância ao bom
andamento do processo de ensino e aprendizagem. Essa relação necessita de confiança, tanto do
professor em relação ao trabalho do intérprete como do acadêmico surdo em relação ao intérprete
educacional. Quanto mais harmonia houver entre os envolvidos, melhor será a relação destes em
busca das adaptações necessárias para o aprendizado do aluno surdo.
Os relatos demonstram que cada um buscou uma forma própria de enfrentar as
dificuldades, criando possibilidades de comunicação, de ensino e de inclusão.
O intérprete me auxiliou muito nas dúvidas que eu tinha sobre surdez, adaptando o material que era
possível. (Profa. Deise)
Evidencia-se que o intérprete p necessário para auxiliar o professor com
‘dicas’ de
comunicação e, também, para sanar dificuldades em relação à própria aula; contudo, o professor
não deve se prender somente a esse apoio de informações. É preciso ler sobre o assunto e buscar
novas metodologias, para conseguir enfrentar outros desafios de ensino e melhorar o aprendizado
do aluno surdo.
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Os docentes entrevistados tiveram seus enfrentamentos, ao longo do semestre, e buscaram
possibilidades para atender às necessidades e especificidades do ensino ao acadêmico surdo e
dar-lhe melhores condições de aprendizagem. Com relação ao convívio docente/intérprete, em
sala de aula, foi possível perceber, nas falas dos professores participantes, que nem sempre a
presença e ação do intérprete foi razão para o mal-estar docente; em muitas situações ambos
mantiveram relação de pareceria na educação do surdo. Essa conduta é importante, pois o
intérprete educacional tem um papel fundamental no processo educacional do surdo incluído em
salas regulares.
Considerações finais
Com a intensificação do acesso dos surdos à universidade, novos desafios são colocados
para os professores. Além de dar foco à inclusão e aos desafios e possibilidades de ensino do
aluno surdo, a pesquisa apresentada teve o propósito de conhecer tais desafios e analisar as
estratégias utilizadas pelos professores universitários para enfrentá-los, frente às especificidades
do processo de ensino e de aprendizagem desse público. Também visou verificar as
especificidades do relacionamento professor-aluno surdo e destes com o intérprete educacional,
tendo em vista que essas interações são fatores decisivos para a aprendizagem.
Foram entrevistados 16 professores de uma Instituição de Ensino Superior (IES) de
Campo Grande, MS, que ministravam aulas nos cursos de Licenciaturas e que tinham alunos
surdos em suas turmas. Alguns destes professores afirmaram que já haviam trabalhado com
acadêmicos surdos no ensino superior e outros estavam vivenciando a experiência pela primeira
vez. Todos relataram desafios para realizar o trabalho docente, dentre os quais foram destacados,
neste texto, o de elaborar e programar um plano de aula que pudesse favorecer o aprendizado do
aluno surdo, o de realizar uma avaliação condizente e adequada e as relações com o intérprete de
Libras.
As estratégias utilizadas pelos professores para trabalhar com aluno surdo constituíram
um desafio, mas os docentes encontraram possibilidades para preparar aulas mais visuais, adaptar
o ritmo das aulas e o tempo para as avaliações. Pesquisaram informações sobre a educação dos
surdos, seja na literatura ou com o apoio do intérprete educacional e buscaram auxílio no Núcleo
de Apoio Pedagógico (NAP) da IES. Os docentes buscaram formas de enfrentar seus desafios na
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inclusão do aluno surdo. A preocupação de compreender e ensinar esse aluno levou a maioria
desses professores a criarem estratégias de ensino diferenciadas e isso foi importante tanto para o
aluno surdo e como para eles próprios.
Ao analisar a fala dos professores em relação ao planejamento, verificou-se que a maioria
procurou fazer adaptações em seus programas de ensino para melhor atender os alunos surdos;
mas alguns docentes afirmaram não terem feito modificações por acreditarem que todos
aprendem da mesma maneira, a partir dos mesmos referenciais, e porque as dificuldades não são
exclusivas do aluno surdo, mas também são dos alunos ouvintes.
A maioria dos docentes utilizou recursos visuais para facilitar a aprendizagem dos alunos
surdos, alguns dedicaram longo tempo ao preparo do material e alguns nem tentaram a utilização
de recursos diferenciados, ou porque não sabiam se era necessário ou porque não sabiam como
fazê-lo.
Com respeito à avaliação, embora muitos docentes não tenham feito adaptações em suas
provas, alguns atribuíram maior valor ao processo de ensino e de aprendizagem desses alunos
surdos para computar a avaliação final. A avaliação da aprendizagem desses alunos ocorreu
concomitante à dos alunos ouvintes, tanto nas provas como nos exames finais.
Outro grande desafio enfrentado pelos professores com o aluno surdo em classe foi o da
comunicação. Os professores tentaram superá-lo com o auxílio do intérprete de Libras. Mas, pela
falta de clareza sobre a atuação desse profissional na sala de aula, muitos professores relataram
certo mal-estar. Mesmo sabendo da importância e necessidade desse profissional, os registros
apontaram que o relacionamento é bastante complexo. A falta de compreensão do papel do
intérprete em sala de aula, em algumas situações, é o que motiva essa sensação de mal-estar;
porém os docentes foram unânimes em afirmar que esse profissional é imprescindível, tendo em
vista não conhecerem a cultura surda e nem possuírem o domínio da Língua Brasileira de Sinais.
Também é necessário um relacionamento de parceria entre professor, intérprete e alunos
ouvintes, com respeito às diferenças culturais, linguísticas e identidade surda, a fim de que o
acadêmico surdo sinta-se incluído no meio onde se encontra e tenha êxito na aprendizagem.
Com esta pesquisa identificou-se a necessidade de programas de capacitação para os
docentes dos cursos em que os alunos surdos estão matriculados, com enfoque para a
especificidade do processo de ensino e de aprendizagem desse alunado e orientações que
facilitem a elaboração de planos de aula. Salienta-se a importância de conhecimento prévio sobre
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a presença do aluno surdo na turma, para que o professor tenha tempo hábil de preparar e
readequar suas aulas, a fim de melhor atender esse aluno, em sua disciplina.
O aluno surdo que ingressa na universidade é um sujeito que enfrentou e superou vários
desafios ao longo de sua escolaridade e possui saberes que lhe permitiram a entrada na educação
superior. Permanecer e concluir o curso superior é um grande desafio para os alunos surdos. A
inclusão não é uma tarefa fácil e não é de responsabilidade apenas do professor, mas também da
Instituição, que tem um papel fundamental no que diz respeito ao investimento, à implantação de
uma cultura inclusiva, ao apoio pedagógico especializado e à realização de formação continuada
para os professores, entre outros aspectos. Por isso, deve ser discutida e refletida, para que se
encontrem possibilidades de um processo de inclusão não apenas educacional, mas que tenha,
também, um alcance para além dos muros escolares, criando oportunidades para a inserção dos
surdos em todas as instâncias da vida coletiva.
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Nayara Cesário Martins
Universidade Católica Dom Bosco - UCDB | Núcleo de Apoio
Pedagógico (NAP - UCDB)
Campo Grande | MS | Brasil. Contato: rf68322@ucdb.br
ORCID 0000-0001-8121-9087
Artigo recebido em: 20 ago. 2018 e
aprovado em: 16 set. 2018.
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